Saints Row – Review

Saints Row é um reboot divertido, mas que poderia ter mais polimento

Quando surgiu em 2006, a série Saints Row tinha o claro objetivo de ser uma “alternativa” a Grand Theft Auto, seguindo um caminho mais cômico que a série da Rockstar estava abandonando aos poucos. Após dois capítulos pouco inventivos, em Saints Row 3 a Volition encontrou o caminho para sair da sombra da sua grande inspiração: o exagero.

Enquanto outros jogos de mundo aberto continuavam apostando na mistura de carros e armas, a série foi para o absurdo, tanto em seu roteiro quanto em seu gameplay. Em certo ponto, a franquia abandonou as ruas de uma cidade decadente e transformou os jogadores em verdadeiros super-heróis, capaz não somente de levantar carros como as mãos, mas de voar e visitar o espaço e até mesmo o próprio inferno.

Todo esse exagero era divertido, mas logo deixou a desenvolvedora sem saber para onde ir: o resultado foi tentar abraçar de vez o mundo dos superpoderosos com Agents of Mayhem, game de ação de 2017 cujo adjetivo mais elogioso que se pode dar é “esquecível”. Diante da falha desse experimento, a desenvolvedora decidiu voltar às raízes e revisitar Saints Row em uma nova geração, com uma ambientação mais pé no chão e um novo conjunto de personagens — reboot este que chega às lojas na próxima terça-feira (23).

Saints Row é um novo começo

Saints Row é um novo começo tanto para a Volition quanto para a série. Nele somos apresentados a um conjunto de quatro amigos que, para conseguir pagar o aluguel, recorre ao único meio de trabalho disponível na cidade de Santo Ileso: fornecer serviços para uma das quatro milícias que compartilham o domínio local.

O protagonista trabalha para as forças mercenárias da Marshall, um grupo paramilitar que substitui a polícia. Apesar de não se dar muito bem com seus chefes, o personagem sobe rapidamente nos rankings da empresa por ser, em essência, um psicopata extremamente habilidoso em matar dezenas de pessoas e sobreviver a situações perigosas.

Saints Row

No entanto, não demora até que o protagonista cometa um pequeno deslize, o que lhe custa o emprego e qualquer pretensão de ascensão social. Felizmente, a depressão pós-demissão não dura muito graças a um plano bastante ambicioso: cansados de patrões pouco talentosos e burocratas, os quatro amigos decidem virar seus próprios chefes e fundar um grupo criminoso conhecido como Saints.

E é justamente o processo de criação dessa nova gangue que acompanhamos e de que participamos ativamente em Saints Row. Durante a aventura de pouco mais de 25 horas, o jogador vai ter que conseguir financiamento, recrutas e as estruturas de que precisa para criar o maior império do crime que Santo Ileso já conheceu.

Tudo isso, claro, enquanto tem que lidar com a concorrência, fazer aliados e participar de diversas missões que desafiam as regras do bom senso e os limites da violência. Pena que, no caminho, uma série de evidências mostra que, para toda ambição que a Volition tem, lhe falta um pouco de orçamento e de competência técnica para realizar tudo da melhor maneira possível.

Saints Row é convencional, mas bastante divertido

Estruturalmente, Saints Row me lembra muito os tempos de jogar Grand Theft Auto San Andreas — mas com gráficos mais bonitos e melhorias de desempenho. O sistema de gameplay não foge dos padrões encontrados em outras experiências de mundo aberto: após selecionar uma missão em seu smartphone, você dirige até o ponto em que ela se inicia e cria uma instância na qual vai ficar até que ela seja finalizada.

Não há nada de errado na estrutura em si, mas pode ficar repetitivo logo o esquema de voltar para sua base só para que o jogo lhe obrigue a ir até um ponto distante do mapa antes que a ação comece. Quando isso acontece, felizmente, o jogo consegue entregar uma série de atividades divertidas, mesmo que um tanto repetitivas.

Saints Row

Enquanto o gameplay de Saints Row pode ser resumido a “dirigir e atirar”, a maneira como você acaba fazendo isso não fica enfadonha graças a uma série de questões. A primeira delas é que o roteiro desenvolvido pela Volition é consideravelmente divertido e faz com que o jogador realmente se interesse em saber qual é o próximo capítulo da história dos Saints.

Ao mesmo tempo, embora os inimigos tenham pouca variedade, os contextos nos quais eles são apresentados acabam compensando isso. Durante o game, você vai batalhar em danceterias, saloons, fábricas, festas raves, o topo de edifícios, acampamentos no meio do deserto, helipontos, iates e em um gigantesco trem em movimento, entre diversos outros cenários.

Todos eles oferecem ao jogador algum setpiece interessante e cenas épicas que mostram que aquilo que você está fazendo realmente está ajudando a construir uma gangue lendária. Contribui muito para isso o uso de cenas não interativas que misturam tensão, ação explosiva e, principalmente, uma dose bem-vinda de bom humor que faz com que o game se torne bem leve.

Acima de tudo, Saints Row assume que é um jogo de videogame e que, em última instância, todas as suas explosões, tiroteios e confrontos são bobos. Não de um jeito autoirônico, que tenta trazer uma suposta profundidade ao roteiro, mas sim de uma maneira leve que mostra que, em última instância, tudo aquilo ali é uma grande brincadeira em que o objetivo real é usar o absurdo a favor da diversão.

Construa um império do crime

Seu império do crime também é construído através da instalação de uma série de atividades ilegais espalhadas por Santo Ileso, e é aqui que o jogo acaba revelando seu lado menos inspirado. Enquanto algumas das atividades disponíveis são interessantes e trazem upgrades relevantes — o laboratório de pesquisas experimentais é essencial —, a maioria apresenta somente variações da mesma fórmula que rendem como recompensa um pouco mais de dinheiro.

Por exemplo: a primeira instalação disponível convida você a roubar diversos carros espelhados pelo mapa e, ao fazer isso, você deve voltar a uma garagem enquanto desvia das investidas da polícia. Mais para frente, você vai ter outra estrutura que desafia a roubar carrinhos de comida espalhados pela cidade — e levá-los de volta para a base enquanto é perseguido por gangues rivais.

Saints Row

Essa similaridade se repete em diversas outras atividades secundárias, cuja maioria acaba seguindo o mesmo molde com um “acabamento” ligeiramente diferenciado. Para completar, toda vez que você instala uma nova atividade, ela passa a ser rodeada por 5 pontos dominados por gangues rivais.

Ao derrotar os oponentes e cumprir todas as missões secundárias de cada estrutura, o jogador desbloqueia o verdadeiro potencial de cada negócio. Enquanto em algumas vezes isso rende um recurso extra (como chamar veículos em qualquer lugar do mapa), na maioria delas isso só vai render mais renda passiva, que se acumula em tempo real em um aplicativo enquanto você joga.

Enquanto fazer essas atividades algumas vezes é divertido, em questão de pouco tempo a repetição bate e elas se tornam somente uma forma de “riscar itens de uma lista” em busca de um objetivo mais distante. A vantagem é que tudo acaba sendo bem rápido e cada item é marcado rapidamente, mas isso não apaga o fato de que muito do conteúdo existente parece estar lá só para “encher linguiça”.

Bugs, bugs e mais bugs

Assim como acontece com os Saints Row anteriores, fica claro desde o primeiro momento que a Volition não tem os mesmos recursos para criar um título da mesma qualidade de Grand Theft Auto. Isso não é um problema em si, já que a desenvolvedora sabe muito bem o que fazer para diferenciar seu game de um mero “clone” sem alma.

Ao mesmo tempo, enquanto atirar e dirigir no game são processos que funcionam bem, parece que falta aquele polimento adicional para tudo chegar no patamar de um “Triplo A” de verdade. A física dos carros é muito representativa disso: experimente bater em uma quina em um ângulo inesperado e seu veículo vai sair voando loucamente, graças à física imprevisível do game.

Saints Row

No entanto, onde a falta de polimento de Saints Row fica mais evidente são em seus inúmeros bugs. Durante minha jogatina, tive missões que se tornavam impossíveis de completar porque o veículo necessário não surgia ou porque os inimigos que deviam ser derrotadas surgiam em um ponto além dos limites da missão, por exemplo.

Também foram comuns glitches visuais, com armas que surgiam fixadas nas mãos do protagonista sem nenhuma explicação e inimigos que simplesmente desistiam do que estavam fazendo e ficavam parados esperando serem metralhados. Enquanto um patch lançado durante o período de testes corrigiu muitos problemas (como os veículos que não surgiam corretamente), as coisas em geral ainda são meio imprevisíveis.

Talvez o momento mais representativo do estado dos bugs de Saints Row tenha surgido para mim durante o confronto final. O que deveria ser um confronto tenso ganhou ares cômicos quando o modelo de meu oponente começou a se mexer bizarramente, ficando distorcido e se espalhando pelos quatro cantos da tela. Quando tudo voltou ao normal, qualquer intenção dramática da cena já havia ido pelos ares — o que foi ajudado pelo fato de, ao voltar para o game, minhas roupas terem bugado, o que fez com que o protagonista começasse a andar nu pela tela.

Saints Row é bom, mas não memorável

Ao voltar ao mundo de Saints Row, a Volition consegue superar o desastre que foi Agents of Mayhem e estabelece as bases de um novo arco narrativo que, em capítulos futuros, pode resultar em games memoráveis. O que temos no reboot agora é um jogo divertido, mas que não traz os mesmos momentos de impacto que fizeram Saints Row 3 ser lembrando até hoje, por exemplo.

A base de uma aventura de mundo aberto é bem estabelecida, mas parece que faltou tempo de polir tanto a parte técnica quanto o “recheio” desse mundo. O game pode estar repleto de atividades secundárias, mas, quando você percebe que todas elas são variações das mesmas duas ou três ideais centrais, é difícil “não ver a Matrix” e perceber que faltou uma maior variedade.

Saints Row

Isso, somado aos inúmeros bugs, faz com que Saints Row seja aquele tipo de game que não ofende, mas que também não vai ser daquele que você vai recomendar para todos os seus amigos? Sabe aquele tipo de título que você joga durante horas sem ver o tempo passar, mas, ao final delas, não sabe explicar muito bem o que fez nesse tempo? É esse o tipo de game que o novo trabalho da Volition é.

Não posso dizer que desgostei de meu tempo com o reboot da série que, volto a afirmar, está muitos níveis de qualidade acima de Agents of Mayhem. Ao mesmo tempo, seria exagero falar que esse é um jogo de mundo aberto que vai estabelecer novas tendências ou que vai constar nas listas de melhores do ano. Em resumo, Saints Row é um bom novo primeiro passo para a série, mas sinto que vai ser preciso uma ou duas sequências para que ela consiga ganhar os elementos de que precisa para realmente brilhar.

Saints Row chega no dia 23 de agosto no PC, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series X|S. A versão analisa foi a do PC a partir de um código cedido pela Deep Silver.

Nota: 7,5 pelas explosões malucas que causei