Review – Per Aspera

Seja uma IA criando consciência

Para onde vamos? Essa é uma pergunta que muitos tentam responder, seja na ficção ou na ciência. A história nos leva a crença que a humanidade busca expansão, com a migração dos primeiros humanos, até a exploração dos mares e a descoberta dos continentes. A resposta mais provável é para cima, o Espaço.

Per Aspera é uma nova tentativa de contar os próximos passos da humanidade. Com um ótimo elenco de dubladores, com nomes como Laila Berzins e Troy Baker, um mapa baseado em dados reais de mapeamento de Marte e um visual cativante para a temática, mas infelizmente com uma gameplay que deixa um tanto a desejar.

Um bom conceito

O jogo te coloca no controle da Inteligência Artificial AMI, que tem como diretriz terra formar Marte. Terra formar é a modificação de uma atmosfera para que esta permita a condição de vida de um planeta. Isso ocorre em várias etapas: a produção através de fábricas com os recursos disponíveis no planeta, a importação destes gases da terra ou outras tecnologias, buscando a regulação da temperatura do planeta e o equilíbrio dos gases que compõem a atmosfera.

Para isso, você deve expandir sua base, construindo novos módulos com funções necessárias para expandir a base e desenvolver as novas tecnologias necessárias para o objetivo final. Os módulos necessitam recursos, que são encontrados na superfície de Marte. Com esses recursos minerados, eles podem ser utilizados para construção dos módulos ou para a utilização em determinado módulo, ou ainda, processados com outros recursos para a fabricação de outros componentes necessários. Esses recursos são transportados entre os módulos que os utilizarão através de drones de transporte. O jogo possuí um sistema de prioridade, onde o jogador define qual módulo deve receber os recursos primeiro.

Para o desenvolvimento de novas tecnologias, é necessário trazer colonizadores. Quanto mais deles, mais rápido você pode desenvolver. Inicialmente são três árvores: a de engenharia, voltada para melhorias das estruturas da sua base; a de espaço, voltada para melhorar seus colonizadores, trazer gases e subir a temperatura do planeta e por ultimo a de biotecnologia, para desenvolver tecnologias para a terra formação e a criação de vida. Em certo ponto do jogo, uma nova árvore – a de tecnologia militar – será aberta, e como o nome diz, ela serve para desenvolver drones de combate para proteger a sua base.

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Mas os problemas começam…

O jogo tenta e inicialmente consegue introduzir todas essas mecânicas de um modo gradativo para ensinar o jogador, sem sobrecarregar com muitas informações de uma vez, mas em alguns pontos, ele não explica ou se o faz, é de forma muito superficial.  O passo do jogo é muito devagar, no começo, com a limitação de drones logísticos e o aumento exponencial de recursos necessários para etapas mais avançadas. Mesmo ele permitindo acelerar até 16x, me peguei em vários momentos desejando um 32x ou até um 64x.

O sistema de transporte é o maior ponto fraco do jogo, você começa com um drone somente e constrói módulos que permitem um drone adicional, mas o que Per Aspera falha em explicar é que esses drones tem um alcance máximo daquele módulo. Com isso, para transportar um recurso de um ponto a outro, os drones têm que fazer uma espécie de corrida de revezamento, com um detalhe, somente um drone está nessa corrida e o outro esta nela e em 10 outras ao mesmo tempo.

Você pode tentar contornar isso com vários módulos destes drones, pesquisando melhorias na velocidade de transporte, definindo as prioridades e desligando módulos que não necessários no momento. Falei que você pode tentar, já que nem sempre isso funciona. A inteligência artificial do jogo é bem falha nesse ponto, várias vezes ela decide focar em algo que não está relacionado ao que você deu prioridade.

O jogo também não explica que o modo como você distribui os módulos afetam os transportes, congestionando vias e se não houver outros caminhos você poderá ter mais problemas, e isto é algo bem comum de acontecer, principalmente com a expansão da base para buscar novos recursos. Há um módulo de scanner, este por sua vez irá procurar recursos na superfície e muitas vezes eles estão em pontos um pouco distantes da sua base e para chegar neles você deve expandir, mas sempre busque expandir com vários caminhos.

Per Aspera progride na história de acordo com a sua evolução no processo de terra formação, mas ele faz isso sem muitos avisos e dependendo de como você decidir chegar ao próximo ponto de progressão pode demorar muito ou com alguns atalhos que pode atrapalhar a história ou mesmo o desenvolvimento da sua base. Por exemplo, o primeiro objetivo é produzir gás carbônico o suficiente para criar uma atmosfera com um efeito estufa que estabilize a temperatura do planeta. Você pode fazer isso com fábricas de gás carbônico que são bem lentas, mas constantes ou trazendo um meteoro de metano, que será o suficiente para cumprir este objetivo.

Já a segunda opção é muito mais fácil de pular uma sidequest sobre usar armas nucleares encontradas em uma base abandonada para descongelar as calotas polares, mas o jogo não percebe isso, e continua com os diálogos sobre explodir as calotas polares, mesmo você já tendo derretido elas. Outro ponto é que isso pode deixar a atmosfera mais propensa ao excesso de oxigênio futuramente, deixando sua base mais vulnerável a incêndios e dependendo de como estão seus recursos e sua logística, pode ser um grande problema.

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Até que ponto uma mecânica só gera frustração?

Quando falo da progressão, em geral ela segue constante, mas há certos degraus maiores que se você não estiver preparado para eles, pode causar grandes tropeços (eu tive que reiniciar meu jogo por conta disso). Enquanto eu estava melhorando todas as minhas estradas, com um pequeno spoiler aqui, em certo ponto do jogo você é atacado por uma entidade não identificada. Este ataque acontece sem nenhum aviso e inicialmente você o sofre sem muita explicação. Assim, ele coloca a durabilidade de toda sua base em 50%. Com isso, todos os seus drones de manutenção acabam se desgastando e eles demandam muitos recursos para serem reconstruídos novamente.

Sua arvore de defesa será aberta e deve rapidamente então pesquisar os drones de defesa e construi-los, porque uma base inimiga foi encontrada e você será atacado por drones inimigos. Percebeu o problema? Minha base já estava fragilizada, sem drones de defesa e reparo. Por mais que eu tenha definido as prioridades para a criação da defesa, o sistema de logística estava dando prioridade às estradas. Minha base toda foi destruída na terceira onda de ataque. Não digo com isso que o jogo deveria ser mais fácil, mas o fato de minhas ações para tentar contornar o problema serem totalmente inúteis causou frustração.

Na minha segunda tentativa, eu estava bem preparado nesse ponto do jogo, com muitos recursos e drones disponíveis, pronto para criar os drones de defesa assim que possível, foi bem mais fácil defender a base (mesmo assim há uma demora em conseguir reparar toda a base e recriar todos os drones de manutenção). Foi tão fácil na verdade que conseguir criar muitos drones de defesa e utiliza-los para atacar, não somente essa base do inimigo, mas todas as outras que surgem no decorrer da história sem nenhum problema. Isso mostra como essa é uma mecânica que não adiciona nada ao jogo, ela foi criada para tentar dar um pouco mais de dinamismo ao jogo, mas só conseguiu se mostrar um ponto vazio que não agregou nada a não ser frustração.

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E mais alguns problemas…

Durante todo o jogo, AMI é contatada por outros personagens, e nesses contatos há algumas escolhas. Quando não é contatada, há diálogos internos de AMI que servem para ajudar o debate da autoconsciência de uma inteligência artificial. Em quase todas essas sequências, há alguma escolha e dependendo do que você escolher os diálogos durante o jogo são alterados. Mas é basicamente isso, há somente uma escolha no jogo que abre a possibilidade de três finais diferentes, mas todas as outras não têm nenhum impacto na história.

Há certos problemas com os recursos, principalmente nas dificuldades mais altas onde ele é escasso, e mesmo com um patch aliviando este problema, ainda há a possibilidade de certo recurso ser bem escasso na área que você está. O que pode te prender em um ciclo, onde você precisa mais de um certo recurso para expandir a base, mas você não tem estoque dele para fazer esta expansão.

Eu tive um pouco de problema com água, que é extraída de depósitos de gelo, e até eu encontrar mais, os colonos se sentiram inseguros e saíram de Marte de volta para a Terra, parando o desenvolvimento de novas tecnologias e travando a progressão até eu conseguir estabilizar os recursos novamente. Isso pode parecer um erro meu, mas eu praticamente tripliquei o tamanho da base, sem avançar nas tecnologias até achar depósitos o suficiente para isso. Também não ajudou, eu ter formado os oceanos, impossibilitando utilizar os recursos que ficaram submersos. E não, não é possível utilizar a agua dos oceanos para nada.

Falando nos oceanos, há outro problema. Há varias ruínas espalhadas por Marte e para explora-las você deve expandir sua base até elas. Muitas delas estão localizadas em partes do planeta que os oceanos são criados, tornando impossível de chegar (não há como construir na agua, e construções feitas previamente são destruídas com a enchente) sem que você foque somente nisso e pare o processo de terra formação, o que pode ser complicado, já que muitas delas estão em áreas que são liberadas para a exploração mais para frente no jogo e é provável que você já tenha agua em estado líquido em quantidade suficiente para encher pelo menos parte dos oceanos.

Por mais que jogo tenha um ótimo visual, muito bem feito e próximo da temática do jogo, ele é bem simples, o que deveria ser leve para rodar, mas não foi um o caso: em um i7-8700, com 16gb de RAM e uma 1050ti, fiquei sempre entre 40-50 fps nas configurações que o jogo recomendou (são poucas opções gráficas que o jogo permite alterar).  Não que isso atrapalhou a jogatina, por ser um jogo lento é bem tranquilo, mas senti um pouco a falta de otimização e pessoas com um PC mais fraco podem ter problemas maiores.

Por fim, Per Aspera é um jogo com uma temática muito interessante, uma história que desperta curiosidade e ajuda no importante debate sobre o futuro das inteligências artificiais em como elas podem evoluir. Mas infelizmente o gameplay parece cru em muitos aspectos, que deveriam ter mais tempo de produção e se tivessem feito uma prototipagem melhor dos conceitos, muitos desses problemas nem teriam surgido.

NOTA: 5/10 vezes que tive que reiniciar o jogo por conta de alguma adversidade encontrada

Texto por Lucas Bellini