Review – The Alters

Uma jornada existencial entre clones e dilemas éticos

Em um cenário de ficção científica tão original quanto perturbador, The Alters, da renomada 11bit Studios, apresenta uma narrativa que transcende a simples luta pela sobrevivência. Após uma aterrissagem forçada num planeta distante que mata toda sua tripulação, o minerador espacial Jan Dolski (pronuncia-se Ian) enfrenta um dilema angustiante: recorrer à clonagem quântica para salvar sua própria vida.

Utilizando o computador quântico da nave, Jan cria “alterações” de si mesmo – versões provenientes de linhas temporais alternativas, onde escolhas diferentes moldaram personalidades e habilidades únicas que podem ser úteis em certas situações. O que emerge é muito mais que um jogo de gestão de sobrevivência; é uma experiência profundamente humana sobre identidade, arrependimento e o peso das escolhas.

Bagagem narrativa

Para bom conhecedor de jogos do estúdio, como This War of Mine e Frostpunk, é de costume o jogo ter um roteiro que traz questões morais e éticas e o maior triunfo de The Alters reside na sua narrativa rica e emocionalmente ressonante. A premissa dos “alters” não é um mero artifício de jogabilidade; é o cerne de uma exploração filosófica complexa.

Cada clone traz consigo não apenas habilidades especializadas (como engenharia ou botânica), mas também uma bagagem emocional única, fruto do ponto de divergência em sua linha temporal. Um Jan pode carregar o luto por um cônjuge perdido num acidente que nunca aconteceu na realidade do principal; outro pode nutrir ambições abandonadas pelo Jan original. Essas histórias paralelas surgem naturalmente através de diálogos e missões secundárias, criando momentos de drama intenso e questionamentos éticos profundos que elevam a experiência.

A fusão de gêneros é executada com maestria. O núcleo de survival-management – onde o jogador deve explorar o planeta hostil com uma broca, coletar recursos, construir e operar plataformas de mineração, expandir a peculiar nave-roda e garantir suprimentos essenciais – é sólido e envolvente.

Cuidado com o que vai falar para os seus alters

A necessidade de atribuir cada “alter” (incluindo o Jan original) a tarefas específicas (operar minas, cuidar da estufa, pesquisar, cozinhar) adiciona uma camada estratégica crucial, já que a sobrevivência depende da otimização dessa força de trabalho limitada e emocionalmente volátil.

Este sistema se entrelaça perfeitamente com o aspecto de “simulador de vida/amizade”. Gerenciar o bem-estar físico e mental da tripulação clone através de escolhas de diálogo e intervenções em suas crises pessoais não é um acessório; é fundamental para evitar colapsos, mutilações acidentais ou até suicídios, impactando diretamente a capacidade operacional da nave.

A construção de mundo e a apresentação merecem destaque. O planeta alienígena, com suas paisagens surreais e ameaças de bolhas translúcidas que distorcem a realidade e causam dano radioativo, oferece um pano de fundo visualmente distinto e intrigante para a luta pela sobrevivência. A nave, uma “roda gigante” autônoma com compartimentos empilhados, é um cenário cheio de personalidade que se transforma organicamente conforme é expandida e o jogador queira remanejar de tempo em tempo.

Não dá para agradar a todos

Complexidade e possível repetição

Embora brilhante, The Alters não está imune a desafios. A gestão dupla (recursos físicos vs. saúde mental da tripulação) pode se tornar sobrecarregante, especialmente em momentos críticos onde múltiplas crises eclodem simultaneamente. A pressão constante para otimizar tarefas enquanto se navega por diálogos emocionalmente carregados exige um nível de atenção que pode ser exaustivo para alguns jogadores.

Embora as histórias individuais dos “alters” sejam o ponto alto, existe o risco potencial de repetição na rotina de sobrevivência. O ciclo básico de explorar, minerar, construir e atribuir tarefas, embora bem fundamentado, poderia beneficiar-se de uma maior variedade de eventos aleatórios ou desafios de fim de jogo para manter o ritmo até o clímax narrativo.

The Alters é um jogo marcante que traz um peso consigo

The Alters solidifica a reputação da 11bit Studios como criadora de experiências vívidas que confrontam o jogador com dilemas morais complexos. Vai muito além de um jogo de sobrevivência espacial; é uma meditação poderosa sobre identidade, o caminho não percorrido e o custo emocional da sobrevivência.

A forma como entrelaça uma jogabilidade de gestão robusta e desafiadora com narrativas pessoais comoventes e filosoficamente densas é notável. Apesar da possível curva de aprendizado íngreme e da demanda por atenção multitarefa, o jogo oferece uma experiência coesa e profundamente gratificante.

O jogo apresenta localização em PT-BR tanto nas legendas quanto em sua interface, porém deixa um pouco a desejar com termos mal traduzidos e até mesmo algumas partes ainda aparecendo em inglês.

Fique de olho no estado mental dos seus alters

A qualidade da narrativa, a originalidade da premissa, a construção de mundo envolvente e a síntese inovadora de mecânicas resultam num título que, mesmo sem o orçamento AAA, entrega uma jornada espacial memorável, desafiadora e emocionalmente impactante, deixando uma marca duradoura sobre o peso de nossas escolhas e os ecos das vidas que não vivemos. É uma viagem existencial que justifica plenamente a passagem.

The Alters: The Alters combina survival espacial desafiador com uma narrativa existencial profunda, confrontando dilemas morais sobre identidade e escolhas de vida. Através de gestão de recursos e tensão psicológica, o jogo oferece uma experiência filosoficamente densa. Otto

10
von 10
2025-06-23T18:50:33-0300

Otto

Um rapaz que fez do hobby um trabalho. Sempre interessado em aprender e conhecer mais. Gamer desde criança e aficionado por Board games. Altas madrugadas jogando e trabalhando incansavelmente.