Crítica – A forma da água (2018)

A beleza encontrada no amor supostamente impossível

Guillermo Del Toro é inegavelmente único, sua estética, suas cores intimistas e sua forma de tratar com total naturalidade o sobrenatural são alguns dos seus fortes traços, após dirigir os ótimos Hellboy e Hellboy II (2004 e 2008) e a obra prima O Labirinto do Fauno (2006), Del Toro nos trás A forma da água, um romance.

O filme se passa no começo dos anos 60, época de Guerra-Fria e conta a história de Elisa (Sally Hawkins), uma órfã que é incapaz de falar, que trabalha num laboratório militar secreto e lá conhece uma criatura aquática humanoide citada como “Amphibian Man” (Doug Jones) e acaba se envolvendo mais do que o esperado com ela.

A primeira pergunta a se fazer seria “Como um romance entre uma humana e um monstro aquático poderia dar certo?”, mas dá e de um jeito completamente tocante e carismática. Boa parte disso é graças a condução de ritmo e ambiência de alto nível que Del Toro proporciona, basicamente tudo no filme parece orgânico, parece crível, é quase como se estivéssemos no filme. Sua premiação de melhor diretor no Globo de Ouro e seu favoritismo para o Oscar não são brincadeira.

Sally Hawkins sempre foi uma atriz boa, nesse filme alcança um patamar extraordinário ao expressar tantas emoções sem sequer falar uma palavra, na verdade nem a criatura fala, esse romance, um dos mais fortes dos últimos tempos no cinema, também se constrói sem palavras, se constrói por ações, expressões faciais, emoções e a química gigantesca entre os atores.

O elenco de apoio também está ótimo, dado ao tamanho pequeno de personagens recorrentes, eles conseguem trabalhar seus arcos e sair da uni-dimensionalidade, o cel. Strickland (Michael Shannon) é o vilão perturbado, que reproduz os valores do sonho americano nos anos 60, é construído pelo ego dos seus feitos e pela construção de sua integridade e temor a deus, comuns ao modelo de família padrão retratado na época, Giles (Richard Jenkins) trás bom humor e bom-senso, apesar de ter um arco apressado que tenta fazer uma crítica social com muita boa-fé mas ela parece forçada, porém é um apoio gigantesco para Elisa, Dr. Bob ou Dimitri (Michael Stuhlbarg) faz muito bem o personagem soviético que oscila entre patriotismo e ética da ciência em plena guerra fria e a melhor amiga da protagonista, Zelda (Octavia Spencer), apesar de não ser tão profunda quando o resto do apoio, trás uma interpretação forte e convicta para o filme.

O design de produção e design de cores do filme é fantástico, o filme usa diversos tons de verde para passar diversos sentimentos, angústia, medo, ameaça, conforto e também é a cor usada para representar o amor. O filme se passa nos anos 60 e tudo nos faz crer que estamos nessa época, o figurino, os ambientes e as praticas são todas delicadamente escolhidas para isso, algo muito similar aos dois primeiros Bioshocks em termo de sensação, outro ponto forte para esse sentimento é a trilha sonora, que envolve o espectador tão bem quando o primeiro Guardiões da Galáxia fez.

O trabalho de maquiagem e efeitos, principalmente no Amphibian Man são os melhores que pode se encontrar, essa criatura tem viva, tem expressões, tem sentimentos, também temos uma forte interpretação do sempre ótimo Doug Jones, querido do Del Toro, o que nos trás um sentimento quase que divino passado pela criatura


A Forma da Água não é só um filme fortíssimo de romance, é um estudo de sentimentos, desejos, angustias, solidão, aceitação, é um filme belo e que apesar de (pouquíssimos) deslizes um dos melhores da temporada de filmes 2017/2018, merece todo o mérito e recomendação.

Texto por Gustavo Chagas