O novo filme Mortal Kombat é um episódio mais sangrento de Power Rangers
Depois de Hollywood transformar os quadrinhos em uma máquina de fazer dinheiro em escala bilionária, é natural que ela procure outros meios da “cultura pop” para transformar em bastiões de sua produção. Se durante a década de 2010 os filmes de super-heróis tomaram o mundo de assalto (muito disso graças ao desenvolvimento em longo prazo do MCU), os anos 20 apostam nos games como “novo quinhão” a ser explorado.
Nesse contexto, é natural que Mortal Kombat — franquia que já teve 2 capítulos no cinema, além de séries live-action e desenhos animados — ressurja na forma de um reboot. Se os capítulos recentes da franquia não tiveram problemas em deixar de lado seu cânone para reapresentar personagens e situações, não seriam os estúdios de cinema que fariam muita questão de respeitar 100% as histórias e caracterizações dos personagens adorados por milhões de fãs.
Mas, sejamos sinceros, isso não seria exatamente um problema, especialmente quando se trata de Mortal Kombat: até mesmo a NetherRealm já fez graça mais de uma vez com o “lore” passado e com a representação quase caricatural de seu universo. No entanto, a nova adaptação cinematográfica sequer se dá ao trabalho de fazer esse papel metalinguístico de maneira eficiente, o que colabora para tornar o novo filme algo digno de um episódio especial de Power Rangers — mas com atuações ligeiramente piores e uma quantidade mais generosa de sangue.
Lore expandida/adaptada/por que isso importa?
O novo Mortal Kombat nos apresenta a Cole, um protagonista inédito que tem como principal característica ter nascido com uma marca de dragão em sua pele. Logo nos primeiros minutos de filme, sabemos a razão por trás disso: além de ser um “escolhido” para participar do Mortal Kombat, torneio que decidirá o destino da Terra, ele possui uma relação sanguínea direta com um dos personagens mais emblemáticos da franquia.
Além dele, outros campeões — como Jax, Kung Lao, Liu Kang e Sonya Blade — precisam se reunir e treinar para combater as forças de Outworld, que venceram as 9 edições anteriores do torneio — e uma conquista na 10ª selará o domínio completo desse mundo alternativo. Acontece que Shang Tsung, feiticeiro que lidera as forças do além-Terra, não somente não gosta de jogar limpo, como também se preocupa com uma “profecia” que diz que sua décima vitória seguida não vai acontecer.
Tsung decide que, se a Terra não tiver campeões vivos para lutar no próximo Mortal Kombat, não há como o torneio acontecer e o Outworld será o campeão por WO. Para se assegurar de que isso vai acontecer, ele manda seus assassinos para realizar esse trabalho sujo — e garantir que teremos cenas de luta constantes que vão além dos “heróis” se confrontando e testando seus poderes (semelhanças com filmes de quadrinho nesse sentido são bastante intencionais).
Em outras palavras, o Mortal Kombat de 2021 poderia adotar o subtítulo Origins sem problemas já que, na prática, o torneio simplesmente não acontece. Claro, temos batalhas sangrentas, mortes — com direitos a personagens falando termos como “Finish Him” e “Flawless Victory” de maneira constrangedora (lembra o que falei sobre não saber usar a metalinguagem de forma eficiente?) —mas nenhuma delas acontece dentro do escopo do torneio que, claramente, só deve realmente acontecer se houver uma sequência.
Um filme de games —no melhor e pior sentido possível
Isso não seria exatamente um problema, não fosse o fato de que, adaptação ou não, Mortal Kombat não é um filme muito bom. Além de as atuações serem, no máximo, medíocres — com um Raiden que nos faz sentir saudades de Christopher Lambert a cada momento que aparece em tela —o roteiro não permite o bom desenvolvimento de nenhum personagem, além de apelar para soluções fáceis e previsíveis.
Sabe aquela coisa bem anime de “os mocinhos vão apanhar muito, até descobrir o poder da amizade e virar o jogo de maneira quase ridícula para cima dos vilões”? Pois é, isso está em Mortal Kombat. Além disso, as lutas em si nem são muito boas — mas pelo menos o gore usado é bom o suficiente para despertar algumas risadas, no melhor estilo Evil Dead. Nesse sentido, só faltou os personagens se levarem um pouquinho menos a sério para aproveitar o absurdo da situação (no caso, o destaque positivo acaba sendo Kano e sua interpretação caricata).
O nível de constrangimento e “cringe” em nada se aproxima de Mortal Kombat Anihilation, mas não temos aqui o mesmo charme que tornou o primeiro filme, comandado por Paul W.S. Anderson em 1995, um clássico “cult” com suas qualidades e defeitos. Se você é fã da série, vale a pena dedicar duas horas ao longa, nem que seja para reclamar da qualidade da adaptação. No entanto, não espere encontrar aqui o equivalente ao que “Homem de Ferro” fez para levantar para viabilizar o MCU e iniciar um possível domínio das adaptações de games sobre Hollywood.
Texto por Felipe Gugelmin