O novo filme Mortal Kombat é um episódio mais sangrento de Power Rangers

Depois de Hollywood transformar os quadrinhos em uma máquina de fazer dinheiro em escala bilionária, é natural que ela procure outros meios da “cultura pop” para transformar em bastiões de sua produção. Se durante a década de 2010 os filmes de super-heróis tomaram o mundo de assalto (muito disso graças ao desenvolvimento em longo prazo do MCU), os anos 20 apostam nos games como “novo quinhão” a ser explorado.

Nesse contexto, é natural que Mortal Kombat — franquia que já teve 2 capítulos no cinema, além de séries live-action e desenhos animados — ressurja na forma de um reboot. Se os capítulos recentes da franquia não tiveram problemas em deixar de lado seu cânone para reapresentar personagens e situações, não seriam os estúdios de cinema que fariam muita questão de respeitar 100% as histórias e caracterizações dos personagens adorados por milhões de fãs.

Mas, sejamos sinceros, isso não seria exatamente um problema, especialmente quando se trata de Mortal Kombat: até mesmo a NetherRealm já fez graça mais de uma vez com o “lore” passado e com a representação quase caricatural de seu universo. No entanto, a nova adaptação cinematográfica sequer se dá ao trabalho de fazer esse papel metalinguístico de maneira eficiente, o que colabora para tornar o novo filme algo digno de um episódio especial de Power Rangers — mas com atuações ligeiramente piores e uma quantidade mais generosa de sangue.

18+] [Atualizado] Primeiro trailer de novo filme de Mortal Kombat | URUKSlideshow: Mortal Kombat 2021 Movie Images

Lore expandida/adaptada/por que isso importa?

O novo Mortal Kombat nos apresenta a Cole, um protagonista inédito que tem como principal característica ter nascido com uma marca de dragão em sua pele. Logo nos primeiros minutos de filme, sabemos a razão por trás disso: além de ser um “escolhido” para participar do Mortal Kombat, torneio que decidirá o destino da Terra, ele possui uma relação sanguínea direta com um dos personagens mais emblemáticos da franquia.

Além dele, outros campeões — como Jax, Kung Lao, Liu Kang e Sonya Blade — precisam se reunir e treinar para combater as forças de Outworld, que venceram as 9 edições anteriores do torneio — e uma conquista na 10ª selará o domínio completo desse mundo alternativo. Acontece que Shang Tsung, feiticeiro que lidera as forças do além-Terra, não somente não gosta de jogar limpo, como também se preocupa com uma “profecia” que diz que sua décima vitória seguida não vai acontecer.

Tsung decide que, se a Terra não tiver campeões vivos para lutar no próximo Mortal Kombat, não há como o torneio acontecer e o Outworld será o campeão por WO. Para se assegurar de que isso vai acontecer, ele manda seus assassinos para realizar esse trabalho sujo — e garantir que teremos cenas de luta constantes que vão além dos “heróis” se confrontando e testando seus poderes (semelhanças com filmes de quadrinho nesse sentido são bastante intencionais).

Em outras palavras, o Mortal Kombat de 2021 poderia adotar o subtítulo Origins sem problemas já que, na prática, o torneio simplesmente não acontece. Claro, temos batalhas sangrentas, mortes — com direitos a personagens falando termos como “Finish Him” e “Flawless Victory” de maneira constrangedora (lembra o que falei sobre não saber usar a metalinguagem de forma eficiente?) —mas nenhuma delas acontece dentro do escopo do torneio que, claramente, só deve realmente acontecer se houver uma sequência.

Mortal Kombat' fans confused as Jezebel asks “Who forgot to invite Chun-Li?”Versão de Kano do Mortal Kombat de 2021 diz que filme vai ”ultrapassar os  limites” – Geeks In Action- Sua fonte de recomendações e entretenimento!

Um filme de games —no melhor e pior sentido possível

Isso não seria exatamente um problema, não fosse o fato de que, adaptação ou não, Mortal Kombat não é um filme muito bom. Além de as atuações serem, no máximo, medíocres — com um Raiden que nos faz sentir saudades de Christopher Lambert a cada momento que aparece em tela —o roteiro não permite o bom desenvolvimento de nenhum personagem, além de apelar para soluções fáceis e previsíveis.

Sabe aquela coisa bem anime de “os mocinhos vão apanhar muito, até descobrir o poder da amizade e virar o jogo de maneira quase ridícula para cima dos vilões”? Pois é, isso está em Mortal Kombat. Além disso, as lutas em si nem são muito boas — mas pelo menos o gore usado é bom o suficiente para despertar algumas risadas, no melhor estilo Evil Dead. Nesse sentido, só faltou os personagens se levarem um pouquinho menos a sério para aproveitar o absurdo da situação (no caso, o destaque positivo acaba sendo Kano e sua interpretação caricata).

O nível de constrangimento e “cringe” em nada se aproxima de Mortal Kombat Anihilation, mas não temos aqui o mesmo charme que tornou o primeiro filme, comandado por Paul W.S. Anderson em 1995, um clássico “cult” com suas qualidades e defeitos. Se você é fã da série, vale a pena dedicar duas horas ao longa, nem que seja para reclamar da qualidade da adaptação. No entanto, não espere encontrar aqui o equivalente ao que “Homem de Ferro” fez para levantar para viabilizar o MCU e iniciar um possível domínio das adaptações de games sobre Hollywood.

Texto por Felipe Gugelmin